Artigo elaborado pela advogada Gabriella Melo de Carvalho.
Tema objeto da campanha lançada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em Abril de 2017, a depressão conhecida como a doença do século que atinge cada vez mais um maior número de pessoas no local de trabalho, tem estatísticas impiedosas ao revelar o crescimento do número de trabalhadores que estão adoecendo como consequência direta do trabalho .
Muito comum nos dias atuais que a classe patronal, tendo sua atenção voltada para a sociedade de produção e de consumo, visando lucros, não realize os investimentos para prevenir acidentes e doenças no local de trabalho, e com isso acabe por deixar de lado a prevenção de risco à saúde, à vida do trabalhador, não tendo como foco um ambiente em condições satisfatórias .
A doença se desenvolve em virtude das constantes mudanças no mercado, grande concorrência, pressão exercida pelos superiores hierárquicos, influências de altas e modernas tecnologias que exigem adaptação imediata. Em português claro: é quando o trabalho adoece!
O entendimento predominante nos Tribunais Regionais do Trabalho e do próprio Tribunal Superior do Trabalho, é de que a depressão desenvolvida no ambiente de trabalho é comumente orientada por dois fatores: o estresse e o assédio moral .
O estresse está associado às árduas e longas jornadas de trabalho com ausência de intervalos, tarefas repetitivas, pressão das chefias e clientes, falta de perspectiva de ascensão, prolongamento da jornada de trabalho, falta de reconhecimento no trabalho desenvolvido e medo permanente de demissão, tais atitudes podem caracterizar o nexo causal entre o labor e a doença .
O assédio moral, por sua vez, é velado, oculto, despercebido pela vítima. Caracteriza-se pela prática de atos sucessivos que baixam a autoestima do trabalhador de tal forma que ele próprio acredita na sua baixa competência ou no seu fracasso .
A falta de esperança e de vitalidade são sentimentos constantes na vida de uma pessoa deprimida. Seus sintomas podem ser a insegurança, o isolamento social e familiar, a apatia, a desmotivação, ou seja, a perda de interesse e prazer por coisas que antes gostava, com o agravante de que pode também ocorrer perda de memória, do apetite e da concentração, além de insônia.
A saúde do trabalhador é um direito constitucionalmente garantido, amparado por normas gerais e especiais de proteção, importando, diante desse quadro, averiguar se no meio ambiente do trabalho o trabalhador está ou não submetido a agressões psíquicas que podem desencadear e/ou agravar um quadro depressivo .
Nesse contexto, caso relatado pela desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida, componente da 10ª Turma do Tribunal Regional da 03ª Região (Justiça do Trabalho de Minas Gerais) julgou desfavoravelmente um recurso do Banco do Brasil nos autos de nº 02430-2013-044-03-00-76 , confirmando a sentença que o condenou a pagar a uma bancária, diagnosticada com a síndrome burnout, indenização pelos danos morais causados pela doença.
Consta na decisão que a empregada narrou a existência de um ambiente de trabalho competitivo e desumano, com cobranças excessivas, inclusive, com um ranking de produtividade entre os gerentes (função que chegou a exercer por um período), o que desestruturou sua saúde psíquica, levando-a a um quadro de distúrbios de comportamento (fobias), transtorno do pânico e sofrimento mental. Tudo isso a levou a se afastar do serviço por dois períodos de cerca de nove meses no total.
Foi apurado pelo médico perito que a bancária trabalhou no Banco do Brasil de 1998 a 2011. Como Gerente (sua última função), ela atendia clientela, vendia produtos e gerenciava uma carteira de clientes que tinha de dar rentabilidade, conforme a produção pré-determinada pelo banco para cada mês. Após adoecer e se afastar, ela retornou ao trabalho, mas em uma função de menor responsabilidade .
A conclusão do perito ao avaliar os sintomas apresentados pela bancária, todos relacionados com as atividades exercidas no banco, conclui que a mesma era portadora da Síndrome de Burnout, além do quadro de Depressão/Ansiedade.
Explicou que o Decreto n° 3.048, de 6 de maio de 1999, em seu anexo II, cita a “Sensação de Estar Acabado” (“Síndrome de Burnout’, “Síndrome do Esgotamento Profissional”), como doença relacionada ao trabalho, ou seja, uma doença ocupacional.
Explicou o perito em seu laudo :
“O termo burnout é definido, segundo um jargão inglês, como aquilo que deixou de funcionar por absoluta falta de energia. Metaforicamente é aquilo, ou aquele, que chegou ao seu limite, com grande prejuízo em seu desempenho físico ou mental. A síndrome de burnout é um processo iniciado com excessivos e prolongados níveis de estresse (tensão) no trabalho. O diagnóstico é feito investigando se as características individuais, associadas àquelas do ambiente de trabalho e da própria atividade profissional, propiciariam o aparecimento dos fatores multidimensionais da síndrome: exaustão emocional, distanciamento afetivo (despersonalização), baixa realização profissional, etc. As consequências do burnout têm efeitos negativos para a organização, para o indivíduo e sua profissão. Ocorre diminuição na qualidade do trabalho por mau atendimento, procedimentos equivocados, negligência e imprudência. A predisposição a acidentes aumenta devido a faltas de atenção e concentração. O abandono psicológico e físico do trabalho pelo indivíduo acometido por burnout leva a prejuízos de tempo e dinheiro para o próprio indivíduo e para a instituição que tem sua produção comprometida. O indivíduo acometido por burnout pode provocar distanciamento dos familiares, até filhos e cônjuge”.
A exaustão emocional da síndrome, de acordo com o perito médico, abrange vários sentimentos como desesperança, solidão, depressão, raiva, impaciência, irritabilidade, tensão, sensação de baixa energia, fraqueza, preocupação. Segundo ele, a doença também aumenta a predisposição a cefaléias, náuseas, tensão muscular, dor lombar ou cervical e distúrbios do sono.
A Décima Turma acolheu o resultado do laudo pericial, com fundamento no instituto da responsabilidade civil previsto no inciso XXVIII, do artigo 7º da Constituição Federal de 1988, concluindo que o banco empregador é responsável pelo pagamento de indenização decorrente da doença ocupacional da reclamante.
A decisão dada pelos julgadores foi fundamentada, no sentindo de que o Banco empregador foi negligente em relação às normas de segurança do trabalho ou de ser dever geral de cautela, contribuindo, com culpa, para a doença da trabalhadora.
Desse modo destacou a Relatora em seu voto :
“O perito concluiu pela existência de nexo causal entre a doença que acomete a autora e o labor prestado no banco. Além disso, o empregador não nega as pressões existentes no ambiente de trabalho para o cumprimento das metas impostas, donde se constata sua conduta culposa, por permitir a excessiva pressão psicológica na cobrança do cumprimento das metas, ocasionando o quadro apresentado pela reclamante“,
No caso ainda, a prova testemunhal corroborou para que o banco resultasse responsabilizado pois, restou demonstrado que a Reclamante poderia perder comissão no caso de não atingimento de metas, o que evidentemente contribuiu para mostrar a pressão psicológica a que a bancária era diariamente submetida, além do que ao voltar da licença de 6 meses, foi rebaixada ao cargo de escriturária, como “punição pela licença”, o que foi considerado pela Relatora como postura antijurídica do banco no tratamento à empregada :”Tal atitude do banco, pelos contornos da síndrome de burnout, somente serviu para reforçar as causas da doença”,destacou a desembargadora.
Por tudo isso, a Turma decidiu manter a sentença que reconheceu a obrigação do banco de indenizar a trabalhadora, apenas reduzindo o valor da indenização de 30 mil para 20 mil reais. (02430-2013-044-03-00-7. Acórdão em 17/02/2016).
A Lei brasileira equipara doença ocupacional e acidente de trabalho, portanto, seja o trabalhador vítima de um ou de outro incidente, os direitos e benefícios são os mesmos.
Indispensável para a caracterização como doença ou acidente de trabalho é a existência de provas de que os problemas de saúde que culminaram na redução ou perda da capacidade do trabalhador, tiveram origem nas condições e no ambiente de trabalho, o que é constatado mediante perícia médica realizada pelo INSS .
Configurado o nexo causal entre o labor prestado e a doença ou acidente de trabalho, o empregado tem direito ao recebimento de benefícios previdenciários, bem como indenização por parte do empregador, pois este responde civilmente pelos danos causados, haja vista ser de responsabilidade deste a mantença de um ambiente de trabalho seguro e saudável para seus trabalhadores .
Dentre os benefícios previdenciários, receberá o trabalhador adoecido ou acidentado, o auxílio-doença, sendo os primeiros 15 dias do afastamento de responsabilidade do empregador, e a partir do 16º dia de responsabilidade do INSS, o qual permanecerá até o trabalhador recuperar sua capacidade laboral, que também é constatada pelo INSS .
O trabalhador que está em gozo de auxílio doença acidentário também tem direito a uma garantia de emprego de 12 meses a serem contados após o retorno ao serviço, que caso não seja respeitada terá o empregador que pagar indenização substitutiva do período da estabilidade.
Caso a perícia médica verifique que a incapacidade do trabalhador é permanente, este será aposentado por invalidez. E ainda, para os casos fatais, há o pagamento de pensão por morte, benefício devido aos dependentes do trabalhador acometido.
Não há dúvidas de que a prevenção é o único caminho para minimizar as graves consequências das doenças comportamentais e psicológicas no local de trabalho, mediante adoção de medidas preventivas que possam tornar o ambiente de trabalho mais seguro, sadio e salubre, e desse modo minimizar ou neutralizar os riscos.
A prevenção aliada à mudança que deve ocorrer no âmbito das empresas, com respeito as normas de saúde e segurança do trabalho contribuíram para alterar o perfil para a saúde dos trabalhadores. No entanto esta melhora somente será possível diante da atuação compartilhada entre patrões e empregados.
O Escritório Tavares Advocacia e Consultoria Jurídica trabalha também nessa seara de prevenção, orientando os clientes quanto a documentação pertinente exigida pelo MTE, que se baseia em atos normativos de proteção e segurança do trabalho.
A pontual atenção às mudanças normativas em questão exige que os empresários (conscientes) se adequem, como uma rotina do ambiente de trabalho. Por isso, a importância de uma assessoria jurídica especializada na prevenção, atenta inclusive nas mudanças da jurisprudência a respeito do tema.
Fontes
ABREU, F.M. Depressão como doença do trabalho e suas repercussões jurídicas. São Paulo: Ltr, 2005.Justiça Eletrônico, Brasília, 17 fev 2016)
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BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Notícias Jurídicas: Vamos conversar sobre depressão no trabalho?. Disponível em: https://portal.trt3.jus.br/internet/imprensa/noticias-juridicas/nj-especial-vamos-conversar-sobre-depressao-no-trabalho. Acesso em: 15 de agosto 2017.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário. Relatora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida- Décima Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 17 fev 2016)
CAMARGO. Duílio Antero de. A Prevenção do Adoecimento Psíquico do Trabalho. Disponível em < : https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/61238/013_camargo.pdf?sequence=1>. Acesso em 01 set 2017.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho.11ª.Ed.Método, 2015.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho.13ª.ed.rev.atual.ampl.Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2017.
DELGADO, Maurício Godinho Delgado. Curso de Direito do Trabalho.16.ªed.São Paulo: LTR, 2017.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de .Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, LTR: São Paulo, 2008.
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1 Comments
Parabéns tema super atual, a preocupação com o bem estar do colaborador as mudanças com a CLT e o que a justiça do trabalho aplica a esses casos. O empregador deve estar atento para com sua empresa e seus colaboradores.